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Diária

Armazéns Triunfo vendem “produtos de qualidade” desde 1922


quarta, 10 julho 2019

Os Armazéns Triunfo completam este ano 97 primaveras. O negócio familiar criado por Adelino de Carvalho, um “homem das arábias”, está agora nas mãos da 3.ª geração que, apesar das dificuldades, quer comemorar o centenário da loja que já teve melhores dias.

Adelino de Carvalho, natural de Capitorno, uma aldeia situada na Serra do Bussaco, no concelho de Penacova, foi viver para Luso pouco tempo depois de o pai falecer. A mãe, que ficou com três filhos a cargo, vivia com dificuldades económicas: “vendia sardinha de porta em porta. Comprava-a em Coimbra: ia e vinha a pé e transportava-a numa canastra”. Adelino, o filho mais velho, teve que ajudar no sustento da casa: frequentava a 4.ª classe quando, por indicação da mãe, migrou para o concelho da Mealhada. Durante 12 anos, trabalhou para vários patrões, desempenhando diversas tarefas. O último chefe que “serviu” era proprietário de uma loja que “vendia tecidos, miudezas” e afins, tendo também um pequeno espaço de taberna. “Este patrão era uma pessoa abastada e o negócio já não lhe interessava”. Em 1922, Adelino de Carvalho viu na Casa Triunfo uma oportunidade e não a deixou escapar. “Ele e um sócio ficaram com o negócio” e, com os “dez contos” que pediu emprestados ao padrinho Manuel Nunes, comprou mercadoria e começou a trabalhar por conta própria. A história é contada pelo filho primogénito, Adelino Dias de Carvalho, que tem 90 anos e vive em Luso.

Em 1925, a Casa Triunfo passou para as mãos de Adelino de Carvalho. Por esta altura, as consequências da Primeira Guerra Mundial, oficialmente finda no final de 1918, ainda se faziam sentir: “os preços baixaram bastante e a margem de lucro era muito pequena. Por vezes, até se vendia mais barato do que se comprava”. Até 1928 – ano em que Adelino de Carvalho casou com Isaltina Dias – o novo comerciante contou com a ajuda da mãe, Maria José, “uma mulher de armas que se esforçou muito para criar os filhos”, conta Adelino Dias de Carvalho, com os olhos rasos de água por recordar que viu partir a avó vítima de tuberculose.

O casamento entre Adelino e Isaltina deu frutos: Adelino Dias de Carvalho e António Dias de Carvalho. Os filhos cresceram na Casa Triunfo, numa época em que o negócio dava lucro e tinha fama no concelho e fora dele. A estação de comboios estava perto e trazia clientes de longe. A loja tinha de tudo um pouco, “desde um cartucho de café, a bicos de charrua e até mesmo calçado”. Os tecidos, vendidos a metro, tinham destaque. A loja dava emprego a várias pessoas e o movimento de gente a entrar e a sair do estabelecimento era grande. Nesse tempo, Adelino de Carvalho já via futuro na sua loja. Tanto que mandou o filho mais velho para Coimbra, para frequentar o Curso Geral de Comércio e depois dar continuidade ao negócio. Adelino Dias de Carvalho cumpriu a vontade do pai e tornou-se “craque da contabilidade” – “digo isto sem vaidade”, confessa. Quanto ao filho mais novo, o comerciante queria que fosse “doutor”, ou seja, que concluísse uma licenciatura. Questões de saúde impediram o sucesso deste anseio.

Depois de deixarem os estudos, os filhos de Adelino de Carvalho tornaram-se empregados da Casa Triunfo. Com a ajuda da segunda geração, o negócio cresceu ainda mais em oferta de produtos e em espaço – “até comprámos uma loja mesmo no centro de Luso, na Rua Emídio Navarro. Era a Casa Triunfo Sucursal. O trespasse custou 110 contos. Lembro-me que o meu pai teve que assinar letras para o comprar”, recorda Adelino Dias de Carvalho. Em 1971, Adelino de Carvalho, “já com uma certa idade”, fez a partilha de bens: a Casa Triunfo Sucursal ficou a cargo do filho mais novo, que depois alterou o ramo de negócio, e Adelino Dias de Carvalho assumiu a gerência da Casa Triunfo.

“O negócio já esteve pior”

No lugar de chefia, Adelino Dias de Carvalho, que entretanto se casou e se fez pai de quatro filhos, foi responsável por várias mudanças. A alteração do nome do negócio – de Casa Triunfo para Armazéns Triunfo – foi uma delas: “como ouvia muitas vezes o povo dizer ‘vamos aos armazéns do Luso’, alterei para Armazéns Triunfo”. Nesta casa, Adelino passou também a vender móveis. Em 1975, quando entrou em campo a terceira geração – Paulo Simões de Carvalho, o filho que “não quis estudar” e que se tornou sócio da empresa em 1989 –, o negócio voltou a crescer. Fizeram-se obras de melhoramento e acrescentaram-se colchões, artigos têxtil-lar e eletrodomésticos à lista de produtos. “Passámos também a ter sistema de vendas com prestações sem juros e isso deu uma grande projeção à firma”, explica Adelino Dias de Carvalho, agora viúvo (“foram 69 anos de casamento”), com sete netos e oito bisnetos.

Paulo de Carvalho, de 60 anos, é hoje o patrão e, desde 2016, o único empregado dos Armazéns Triunfo – “assim é mais fácil equilibrar o barco”. É casado, tem um filho que não lhe vai seguir as pisadas e continua a vender artigos para a casa, colchões, eletrodomésticos e móveis, mediante encomenda por catálogo. No local de trabalho, tem tempo para ler o jornal, porque os clientes são poucos. O negócio, “que já esteve pior”, começou a “descer” com a chegada da “crise, em 2007/2008”. As “grandes superfícies”, o “euro”, a “desertificação” de Luso e a procura em função do preço e não da qualidade roubaram clientes à loja. “Dantes vendíamos móveis a sério, que duravam uma vida. Agora as pessoas preferem móveis baratos de usar e deitar fora”, lamenta o lusense que – destaca – continua a vender “apenas produtos de qualidade”, à semelhança do que faziam o pai e o avô. Ainda assim, Paulo de Carvalho não pensa em “abandonar o barco”. Em 2022, quer comemorar o centenário dos Armazéns Triunfo.

O pai de Paulo, Adelino Dias de Carvalho, que continua a ser sócio dos Armazéns Triunfo, também quer que o negócio tenha futuro. Hoje em dia, são raras as vezes em que entra na casa que ajudou a construir e na qual tem “muito orgulho”: “fico triste em ver o espaço tão vazio”. No entanto, acredita que depois da tempestade vem a bonança: “tenho muita esperança que as coisas melhorem”. Como “católico praticante”, inclui este desejo nas suas orações.