Diretor: 
João Pega
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Diária

Universidade Sénior da Mealhada - Nunca é tarde para aprender e ensinar


quarta, 26 junho 2019

Chama-se Laurinda Zuzarte, tem 85 anos, mora na Pampilhosa e é a formadora “menos jovem” da Universidade Sénior da Mealhada. Dá aulas de “Corte & Costura”, no polo da Pampilhosa, desde 2016. É também aluna da Universidade há sete anos.

Laurinda nasceu na Figueira da Foz. Foi viver para a Pampilhosa quando tinha três anos, porque o pai era ferroviário e foi colocado nesta localidade. Concluiu a “4.ª classe com distinção” e, segundo a professora, estava apta para ir ao exame de admissão e prosseguir depois os estudos. “Mas o meu pai não deixou. Ele dizia que só os homens é que precisavam de estudar”. Se tivesse avançado, História era o caminho que a seduzia.

Aos 12 anos foi aprender o ofício de costureira. Aos 14 já fazia a sua própria roupa. As peças que produzia e vestia suscitavam elogios que depois se transformavam em encomendas. “Fui juntando dinheiro e, assim que pude, contra a vontade do meu pai, fui fazer o Curso de Corte e Costura, em Coimbra. Custou-me um conto e 200”. Findo o curso, continuou a trabalhar em casa na velhinha Singer a pedal que pertencia à mãe. “A fama começou a correr” e trabalho não lhe faltava. Fez muitos vestidos de gala e também muitos vestidos de noiva, inclusivamente o seu, que usou quando tinha 27 anos. A modista casou com António, que faleceu há 17 anos. Os olhos de Laurinda enchem-se de lágrimas quando recorda a perda de um “bom pai e bom marido”. “Sempre que chegava a casa, dava-me um beijo e cheirava-me. Gostava que eu usasse perfume e eu continuo a fazer-lhe a vontade”.

Laurinda foi entrevistada na antiga Escola Primária Tomaz da Cruz, na Pampilhosa, onde dá aulas de “Corte & Costura” e onde concluiu a 4.ª classe. Estava de facto perfumada e “bem vestida”. “Fui eu que fiz este casaco, esta camisa e estas calças”, disse, orgulhosa. “Quase toda a roupa que eu uso é feita por mim”. Na máquina Refrey que tem em casa, faz também peças de roupa para as duas filhas e para algumas pessoas que lhe pedem “algo requintado”. “É raro o dia em que não costure nada”. A visão permite continuar a trabalhar porque já foi operada por duas vezes às cataratas. Ainda assim, há dias em que só Santa Luzia, protetora dos olhos, lhe vale: “peço-lhe ajuda e a linha entra logo na agulha”.

Além da costura, Laurinda Zuzarte também dedica tempo ao coro da igreja da Pampilhosa, à lida da casa e à leitura – “gosto muito de ler”. Vive sozinha mas conta com o apoio das filhas que não estão longe. Porque sempre trabalhou muito – “chegava a fazer diretas para acabar encomendas” – parar não faz parte dos seus planos. No próximo ano letivo, se a saúde permitir, tenciona voltar a ser aluna e formadora da Universidade Sénior da Mealhada.

Laurinda gosta de aprender e as suas disciplinas favoritas são Vitalmente – Estimulação Cognitiva, Ginástica, Hidroginástica e História de Portugal. Esta última cadeira é dada pelo formador Manuel Simões que tem 78 anos. Laurinda foi parar à Universidade Sénior por influência de uma vizinha e insistência das filhas. “Inicialmente senti-me obrigada a vir para cá mas agora venho com muito gosto. Este convívio faz-me bem. Quem não aproveita, não sabe o que perde”, conclui.

Nas aulas de “Corte & Costura”, a formadora Laurinda, que considera que “nunca é tarde para aprender”, ensina “com gosto” de tudo um pouco: a coser à mão e à máquina, a bordar, a talhar, a debruar, a cortar, a casear, etc. No ano que agora terminou contou com cinco alunas “muito entusiasmadas, aplicadas e atentas”. “Durante o curso, fizemos três casacos chanel”. Além das peças originais, aprende-se também a fazer arranjos. A máquina Refrey que é usada pelas formandas pertence-lhe. Tem “à vontade mais de 50 anos. Já ma quiseram comprar mas não tem preço”. Com esta máquina fez calças para o marido – “ele só usava calças feitas por mim” – e ensinou “muitas mulheres a costurar. Algumas estão hoje bem colocadas. Por exemplo, a Margarida Rosa Madeira, que tem um ateliê a 35 km de Paris, não se esqueceu de mim. Numa entrevista que deu, fez questão de dizer que fui eu que a ensinei a costurar”, conta, com satisfação.