Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

«Na boca de quem não presta, quem é bom nunca vale nada!»


quarta, 15 maio 2019

Encontrei-a, num dia de manhã, na igreja da Mealhada. Ia a caminho de Fátima. Entrou para rezar um pouco, enquanto os outros estavam a ser tratados, no posto da Cruz Vermelha, junto ao Cineteatro Messias, mesmo frente à igreja.

Ela olhou para mim e perguntou-me:

- É o padre?

Respondi-lhe afirmativamente. Ela, com um ar de satisfação, começa a falar:

- Senhor Padre, vou a Fátima por causa da minha família. Para ver se Nossa Senhora lhe dá paz e me dê, a mim, as forças para a conseguir unir de novo.

Lá me contou, de forma simples, os dramas vividos e sofridos nos últimos tempos. Tudo começou quando a filha ficou desempregada e, logo a seguir, o genro. Tiveram que entregar a casa ao banco, pois não tinham como a pagar. Foram viver lá para casa, até as coisas melhorarem. Era só por um tempo, até conseguirem alugar algo barato, mas já lá vão uns meses.

- Claro que gosto muito de ter a minha filha lá em casa, senhor Padre, mas ela nunca se deu com o pai e o meu genro também não simpatiza nada com o sogro. É raro o dia em que não há discussão. Começam com piadas e terminam aos gritos. Que suplício estou a passar.

Fiquei impressionado, pois percebi que, depois de 180 km já percorridos, o que doía mais àquela mulher não eram as pernas ou os pés, mas o coração. Disse-lhe para se sentar e ela aceitou…

- Senhor Padre, tudo por causa do dinheiro. Eles não têm culpa de não terem trabalho, mas também não se privam de nada. Eu lá lhes vou dando, sem o meu marido saber, mas não os vejo empenhados à procura de algo…! Que tristeza!

Ao escutá-la, senti que estava agastada e angustiada, não pela peregrinação, mas pelo dia-a-dia sofrido que a levou a peregrinar. Continuou…

- Eu sei que Nossa Senhora não pode fazer nada se eles não mudarem. Mas, só lhe peço que ela me ajude, a mim, a aguentar e a não desesperar. Para ver se consigo, com jeito, levá-los a resolverem a vida deles e depois a acalmar o meu marido que não tem um feitio nada fácil.

Depois do que ouvi daquela peregrina não sabia o que lhe havia de dizer. Que mulher tão lúcida, tão realista, tão bondosa, e, sobretudo, com uma fé tão profunda. Aliás, a peregrinação provoca estas coisas!

Interrompeu, entretanto, o meu silêncio para me dizer ainda:

- O pior é a língua do povo. Aquela gentinha lá da minha terra não se cansa de nos criticar. Até me chamam parva por estar a ajudar a minha filha. Mas, afinal, ela saiu cá de dentro! Deus não quer que eu a abandone, sobretudo agora, quando não tem onde cair morta.

Sorri-me e, para a sossegar, contei-lhe um provérbio que aprendi com a querida gente da serra: «Na boca de quem não presta, quem é bom nunca vale nada!»

Por reação, ela deu uma estridente gargalhada. Levantámo-nos, despedimo-nos e ela, ainda, me pediu a bênção que lha concedi de imediato.

 

Faltam poucos dias para a «Festa Diocesana das Famílias». Será já no dia 26 de maio, na zona desportiva da Mealhada.

Para muitos pode parecer pouco importante e interessante este evento, a partir da superficialidade com que vivem todas as coisas; para outros, escravizados pelo individualismo egoísta da moda, não serve mesmo de nada, somente uma perda de tempo…!

Contudo, para nós, cristãos, esta festa é profundamente significativa! Gostava até de convidar esta mulher que se fez peregrina, pois ela representa a multidão inumerável das pessoas que, dia-a-dia, constrói a família, entre dores e desamores, porque sabe que é nela onde está o segredo da felicidade de cada um, sem esquecer os outros. Que não deixemos de estar presentes no dia 26 maio, por nós e pelas nossas famílias!

Já agora, era muito importante que nunca esquecêssemos, para tantas situações da vida, que na «boca de quem não presta, quem é bom nunca vale nada!»