O Rodrigo…
A semana estava a ser intensa e dura. O falecimento do Padre Samelo deixou em mim uma marca de tristeza e, ao mesmo tempo, de esperança, pois acredito profundamente que ele agora está a gozar a verdadeira felicidade que só Deus dá. Regressava de Coimbra de uma reunião e, após uma celebração, uma catequista que estava a preparar o presépio telefonou-me:
- Estão aqui, na igreja, os pais do Rodrigo!
Respondi-lhe:
- Já vou para aí.
O Rodrigo, de 12 anos de idade, tinha sido atropelado nessa manhã, ao atravessar a estrada nacional, frente à escola. O seu estado era muito grave. Os pais tinham vindo do Pediátrico e o menino estava em coma induzido.
Ao entrar na igreja, vi o pai, a mãe e a Margarida, a irmã mais velha do menino, curvados de dor e tristeza, diante do sacrário. A mãe rezava com dor:
- Ó Pai…!
Aproximei-me deles, com a tensão própria de não saber bem o que havia de dizer. Convidei-os para nos reunirmos na sala de acolhimento, mesmo ao fundo da igreja. Lá dentro, abracei cada um deles, num silêncio profundo, mas que manifestava toda a minha comunhão com eles.
Lá me contaram como tinha sido aquela desgraça. Apesar da dor e do desespero, percebi que não estavam revoltados. O Ricardo, o pai, recordou-me de uma vez ter estado com o Rodrigo e com o senhor Bispo, num jantar, e termos tirado uma fotografia. Lembrei-me de imediato desse dia, no mês de junho, há 2 anos, após um Crisma. A alegria e a felicidade que transbordavam da sua presença simples connosco enterneceram a todos, inclusive o senhor Bispo, e manifestaram bem o que este menino é.
Entretanto, a mãe, com um tom de voz profundamente sofrido e verdadeiro, afirmou:
-Eu quero estar no lugar dele. Eu quero substituí-lo no sofrimento que está a passar.
Ao escutá-la, emocionei-me. Que melhor definição do amor de uma mãe! Que grandiosa é a Carla. O Ricardo soluçava. Ele é forte, mas quando está em causa o amor a um filho, não há força que aguente. A Margarida, embora triste, aparentava a serenidade possível. Reparei que estava a tomar conta dos telemóveis dos pais.
O Rodrigo é um menino meigo, bondoso, alegre, educado e muito responsável. O seu sorriso manifesta os sonhos que brotam de um coração puro e é possuidor de uma fé simples e bondosa. Ele e a irmã tinham vindo, dias antes, trazer, à secretaria paroquial, o presépio que construíram, em família, para uma exposição da Catequese.
Em vários locais desta região, ligados à vida dos pais do Rodrigo, o povo juntou-se para rezar e manifestar a sua comunhão com eles, neste momento de dor. Todas as comunidades da Unidade Pastoral têm rezado por ele. Diariamente, várias vezes, lhes tenho ligado, manifestando a minha comunhão com eles. O senhor Bispo, através de mim, tem acompanhado constantemente o caso, com carinho, emoção, juntando-se a esta corrente bela de oração. O Ricardo dizia-me, no sábado:
- Quando o menino sair do hospital, vamos logo ao senhor Bispo.
O pior já terá passado, assim o esperamos. Já começou a reagir! Agora, importa continuar a apoiar com amizade e com a oração estes pais, para voltarmos a ser contagiados pelo sorriso do Rodrigo e pelos sonhos que ele manifesta.
Já agora, nunca estamos preparados para a doença; e muitas vezes nem sequer para a admitir. Tememos a vulnerabilidade, e a invasiva cultura presente impele-nos a negá-la. Não há espaço para a fragilidade. E assim o mal, quando irrompe e nos ataca, deixa-nos por terra atordoados. Então pode acontecer que os outros nos abandonem, ou nos pareça que devemos abandoná-los a fim de não nos sentirem um peso para eles. Começa assim a solidão, e envenena-nos a sensação amarga duma injustiça, devido à qual até o Céu parece fechar-se-nos.
Na realidade, sentimos dificuldade de permanecer em paz com Deus, quando se arruína a relação com os outros e com nós próprios. Por isso mesmo é tão importante, relativamente à doença, assumir que todos somos frágeis e vulneráveis; todos precisamos daquela atenção compassiva que sabe deter-se, aproximar-se, cuidar e levantar. Assim, a condição dos doentes é um apelo que interrompe a indiferença e abranda o passo de quem avança como se não tivesse irmãs e irmãos!