O pote do azeite
Gil Vicente, no auto de Mofina Mendes, conta-nos a aventura de pegureira: a pastora era descuidada, Payo Vaz vai despedi-la; mas generoso, apesar do mau serviço prestado, resolve dar-lhe pote de azeite para ir vendê-lo na feira.
Mofina Mendes, contente com a recompensa, não merecida, começa a cantar de alegria, bailando com o pote de azeite sobre a cabeça, dizendo: que vai a Trancoso vende-lo e, com o dinheiro arrecadado, comprará ovos de pata. Criando patos ficará rica e bem casada.
Dançando, elevada, cai-lhe o pote, e entorna-se o azeite.
Daqui se recolhe duas magnificas lições: o dinheiro malganho e mal merecido, em regra, não trás felicidade; e que a vida é feita de sonhos, ilusões e desilusões.
Somos todos um pouco Mofina Mendes:
Na infância, fantasiam-se risonhos futuros: tudo parece ser fácil de obter.
Na adolescência, projeta-se carreiras de sucesso. Sonha-se ser rico, importante, dono de belo carro e, casa confortável.
Mas os anos rolam, voam; surgem dolorosos acúleos, abrolhos e dissabores...
Chega por fim o almejado casamento, o fim da busca pela alma gémea, em que se coloca todos os anseios. Mas, quantas vezes só nos traz amargas deceções.
Por fim surgem os filhos. Imagina-se neles poder realizar os projetos que não se pode ou não se soube realizar.
Ternamente amamo-los, ainda que por vezes não mereçam; mas, acabam por apartarem-se e, muita sorte se tem, se não se envergonham dos progenitores...
E assim chega a velhice, a decadência do espírito e do corpo, e amargamente se verifica, que pouco ou nada se conseguiu do que foi sonhado.
Então, triste, desiludido, verifica-se que, também, o nosso "pote de azeite", se partiu...