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Diária

Pequenos poderes e compadrios


Categorias: Opinião terça, 29 outubro 2024

Em Portugal temos a cultura do “pequeno poder”, da cunha e dos compadrios. E das chefias e dos chefes, que os líderes parecem não se adaptar aos nossos brandos costumes, com as “suas manias” de promoverem honestidade, valores e transparência. Quando ganham algum poder, como um cargo de direção, ou outro, frequentemente as pessoas acabam por adotar – de forma voluntária ou não – atitudes de “chefe máximo” e mesmo que seja de “pessoal mínimo”.

Estas práticas surgem aliadas à falta de cultura meritocrática nacional. Decorre, sobretudo, do facto de termos um atraso ao nível da educação e cidadania em razão do défice de alfabetização resultante do longo período de ditadura. E não há nada mais corrupto do que uma ditadura, nada mais atentatório dos direitos mais básicos de um cidadão, o qual nem esse título pode reivindicar, pois, sub-repticiamente, fundamenta-se a ideia do favor e não do direito, em que a discricionariedade era total, mesmo que o direito estivesse consignado.

Como a relação do Estado com o cidadão era uma relação de favor e não de direito e obrigação, levava a que o cidadão perante a máquina do Estado – e mesmo que esta fosse representada por um simples fiscal de obras – sentisse que a autoridade do mesmo era absoluta e indiscutível, mesmo que legalmente não o fosse. E a sua ocorrência era aceite, a tal ponto se encontrava enraizada e socialmente legitimada. Isto tudo são resquícios da ditadura que nos dias de hoje persistem de outras formas. Mesmo instituições culturalmente relevantes e ao mais alto nível do Estado funcionam nesse registo, o que não falar de estruturas intermédias ou mais baixas.

Durante a ditadura era vulgar e conhecido oferecer o cabrito / o pote do azeite / o queijo da serra – e isso já é ancestral   – ao elemento bem posicionado na administração pública que fazia determinado favor – a pedido – ou arranjava um emprego ao filho / sobrinho/ filho do amigo, a corrupção era inata no salazarismo.

Os nostálgicos da ditadura, tanto os oportunistas quanto os desavisados de hoje, gostam de dizer que “no tempo da ditadura não havia corrupção”. Bem, corrupção havia, mas como também havia censura, como forma de controlo social, perpetuava-se a impunidade nas elites do regime.  A maior parte dos escândalos sequer chegava aos jornais. E o problema do nosso país é que as pessoas mantêm, na actualidade, esse registo no funcionamento social e institucional.

As pessoas vão cultivando os pequenos poderes e a potencial “influência” que detêm para manipular o sistema em proveito próprio ou em proveito de quem lhes possa vir igualmente a fazer favores um dia; ou até mesmo em proveito daqueles que lhes convêm que fiquem a dever um favor; ou só mesmo para serem magnânimos. E perante comportamentos idênticos dizemos “não tem mal nenhum”, esquecemo-nos que o mal quando nasce é pequenino, tão pequenino que mal se vê. Só que o mal cresce, cresce, torna-se enorme e arrasa tudo. E só nos apercebemos disso, quando somos arrasados por ele.

Ocorre em todos os estratos sociais e em todas as profissões, surge como algo transversal à sociedade. Basta termos um “poderzinho”, por mais insignificante que seja, para alterarmos as regras éticas que deviam constituir o nosso comportamento social. Quem tem poder acha que pode ter atitudes despóticas e autoritárias, e que também pode ser magnânimo, que está acima da Lei. Ou que pode subverter ou reinterpretar a seu belo prazer as orientações superiores ou pura e simplesmente ignorá-las, para assim beneficiar quem lhe aprouver, ou seja, para fazer um “favorzinho” aos outros, quer sejam seus funcionários, dependentes hierárquicos, quer seja a terceiros.

O “favorzinho” e a cunha são parceiros que andam lado-a-lado, e que infelizmente são formas de corrupção, sendo esta um mal social, que assola transversalmente toda a sociedade, que nos saí muito caro e que nos prejudica seriamente a todos ao nível dos direitos fundamentais A Comunidade Europeia emitiu diretivas precisas aos Estados-Membros para combate à fraude e à corrupção, só que esmagadora maioria não entrou em vigor no nosso País. No caso não interesse ser bom aluno, podemos – convêm-nos? –  até ter má nota.

Resistir às serpentes – e são várias e com muitas formas – não basta. Esmaguem o ovo da serpente na origem. O problema atinge uma dimensão tal que a única via é destruir o ovo. Porque, citando o poeta entre nós, “há sempre alguém que diz não”! Que afinal é a única coisa que nos pode salvar, consciencializando o povo que a corrupção e o tráfico de influências é que minam a economia e são a causa maior da nossa miséria. Enquanto não atacarem esse fenómeno jamais Portugal será um País avançado, justo, desenvolvido e que trate condignamente todos os seus concidadãos.