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João Pega
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Diária

Gongô: Da Mealhada aos PALOP a transformar vidas


terça, 29 outubro 2024

A Associação Gongô criada por mealhadenses, é uma organização humanitária que se dedica ao apoio a crianças dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). A associação nasceu do desejo de fazer a diferença nas vidas de crianças que enfrentam a pobreza, a falta de acesso à educação e à saúde. Desde a sua criação, a Gongô tem atuado com o objetivo de proporcionar a estas crianças oportunidades de um futuro melhor, através de iniciativas que incluem a doação de materiais escolares e o suporte a programas educativos.

Este trabalho é feito com a colaboração de parceiros locais nos PALOP, garantindo que a ajuda chega diretamente às comunidades mais carentes. A associação acredita que a educação e o acesso a condições dignas de vida são fundamentais para quebrar o ciclo de pobreza, e trabalha incansavelmente para que cada criança tenha a oportunidade de sonhar com um futuro mais promissor.

Paula Gradim, uma das fundadoras desta associação conversou com o Jornal da Mealhada para dar a conhecer a história, ainda que curta, da Gongô e qual a sua missão.

Foto retirada da página de Facebook da Associação Gongô.

 

Em que ano nasceu as Gongô?

Em 2019, juntamente com o Miguel Midões, a Susana Soares, a Cristina Midões e eu fizemos uma missão humanitária a São Tomé, aí começou a ideia de nós os quatro criarmos a nossa própria associação. Entretanto, em 2020 surgiu o Covid e não avançámos com o nosso projeto, mas ficamos sempre com a ideia de o poder concretizar. Assim, em 2022 nasce oficialmente a Gongô.

 Sempre teve o desejo de atuar na área humanitária?

Sim, sempre foi incentivada e educada pelos meus pais nesse sentido. Aliás, desde os 5 anos que os meus pais me fizeram associada da UNICEF.

A vossa associação chama-se Gongô. Qual o motivo deste nome?

Gongô significa amar no dialeto são-tomense. Como surgiu em São Tomé a vontade de criar a nossa associação, achamos que se adequava.

Qual é a principal missão da Gongô?

A nossa missão é ajudar pessoas e comunidades. Estamos muito focados em ajudar crianças, adolescentes e jovens adultos, mas o nosso grande objetivo é ajudar a população em geral e as comunidades dos PALOP. Atuamos lá, em São Tomé e cá, na Mealhada. Neste sentido, nas comunidades PALOP ajudamos na melhoria das condições de vida, nas necessidades básicas essenciais como a alimentação, saúde, segurança. A nossa forma de atuar não se resume a doar bens. Estamos muito focados na formação das comunidades para se tornarem autossuficientes, queremos dar ‘ferramentas’ para educar na área social, ambiental, saúde e outras. Na Mealhada já damos apoio a comunidades provenientes do estrangeiro vindos dos PALOP, mas não só, também ajudamos refugiados ou emigrantes que estejam em situação de necessidade.

Sendo assim, têm contacto com outras associações estrangeiras?

Sim, mantemos contacto. Por exemplo, com a Associação Kêlê, que apoia o desenvolvimento escolar e pessoal de crianças e jovens em São Tomé e Príncipe.

Vocês têm tido oportunidades de ir aos sítios que estão a ajudar?

Sim, mas os custos são todos suportados por nós, já voltamos lá depois da visita inicial que deu origem a esta Associação. Não vamos todos juntos como fomos inicialmente, vamo-nos revezando.

Quais são as principais atividades para angariar fundos e materiais?

No passado dia 5 de outubro realizamos ‘a primeira feijoada da Gongô’. Ficamos muito contentes com o resultado foi um evento onde esteve presente o espírito de solidariedade e comunidade. Participamos na Feira de Artesanato e Gastronomia onde vendemos merchandising nosso e também conseguimos mais associados. Para angariara fundos, felizmente tivemos uma procuradora de justiça que nos notificou e nos indicou para sermos uma das associações que pode beneficiar do pagamento de multas. Por exemplo, se houver alguém com uma multa de excesso de álcool durante a condução, o dinheiro poderá reverter para uma associação desde que seja elegível para isso e caso a pessoa consinta. Já recebemos algum retorno que nos foi muito útil. Para além disso, também recebemos algum dinheiro das cotas dos associados. 

Quantos associados integram a associação?

Já temos perto de 200 associados e são de várias partes do país - Lisboa, Viseu, Porto, Viana do Castelo – mas temos muitos daqui do concelho da Mealhada. É importante que as comunidades conheçam e se envolvam nos projetos que são desenvolvidos perto de si. Para a Gongô é importante que as pessoas sejam nossas associadas e nos conheçam bem, não só porque somos daqui, mas porque os projetos que vamos desenvolver são aqui na cidade e assim, podem acompanhar e trabalhar connosco. Nem todos os associados são voluntários porque não têm possibilidade. Podemos ter voluntários nacionais, que nos ajudam cá na Mealhada, ou internacionais que se predispõe a ir para São Tomé connosco.

De que forma direta intervêm aqui na Mealhada?

Existe uma cooperação com a Escola Profissional Vasconcellos Lebre, já que fazemos o acompanhamento dos alunos provenientes dos PALOP que vêm estudar para cá. Infelizmente aconteceu uma situação de racismo na rua que nos foi transmitida. Os alunos que foram alvo de racismo ficaram amedrontados e nem de casa queriam sair. A partir do momento em que a Gongô interveio, de forma a integra-los na sociedade, os resultados escolares melhoraram. Trabalhamos a integração social, a autoestima e a superação dos medos. Este é um trabalho de cooperação que queremos continuar.

Estas situações de racismo são recorrentes?

Não. Esta foi uma situação pontual, mas não deixa de ser grave

 

Que outras situações difíceis têm as crianças e jovens daqui da Mealhada?

São crianças e jovens que vêm sem os seus pais, sem a sua família. Existem dificuldades financeiras, mas a Escola fornece alimentação e garante as condições necessárias na casa onde ficam alojados. Queremos que eles se sintam confortáveis e integrados na nossa forma de vida, já que a realidade deles, em São Tomé, é completamente diferente da nossa.

Que outros desafios a Gongô já encontrou?

Já tivemos pedidos de ajuda de alunos que não eram dos PALOP para arranjar emprego, mas nós encaminhamos para as estruturas que os municípios têm. Outro desafio que verificamos foi a alimentação dos alunos dos PALOP quando iniciam as férias escolares de verão, mas com a ajuda do Talho Ernesto e do Talho Novo da Pampilhosa as refeições de carne foram sempre garantidas por eles de forma gratuita. Quem tem famílias de acolhimento ou até as suas próprias famílias ficam com elas durante as férias de verão. Os alunos que se mantiveram cá no concelho durante o verão porque não tinham para onde ir, por vontade própria quiseram trabalhar para ganharem o seu próprio dinheiro. O GASC – Grupo de Acção Social Cristã também foi essencial, contribuiu com cabazes com produtos essenciais e outros bens essenciais.

Já fizeram angariação de materiais?

Sim, em dezembro do ano passado fizemos quando um dos elementos dos nossos órgãos sociais foi a São Tomé. Quando precisamos fazemos uma campanha de angariação de fundos e divulgamos nas redes sociais com um ponto de entrega definido. Normalmente pedimos material escolar já que, particularmente, apoiamos uma escola no interior da Ilha de São Tomé e Príncipe onde não chega praticamente nada e, assim garantimos o material escolar desses alunos todos os anos. 

Que projetos querem realizar?

Queremos ir a São Tomé em missão humanitária, só assim podemos levar voluntários formados e instruídos que possam formar e capacitar as comunidades. Provavelmente vamos no próximo ano.

Quem quiser ser voluntário o que deve fazer?

Podem enviar email para a Gongô a manifestar interesse para ser voluntário, nós enviamos o formulário de inscrição para o preenchimento. Para ser voluntário tem de ser associado e nesse formulário já ficam definidas algumas questões, como por exemplo se querem ser voluntários só cá na Mealhada ou se também pretendem ser voluntários internacionais.

Ainda faltam cerca de dois meses para o Natal. A Gongô vai organizar algum evento solidário?

Ainda não temos data definida, mas com certeza vamos organizar um evento que reúna o a comunidade, que promova o convívio e, naturalmente, a angariação de fundos.

 

 

 

 

Como vê atualmente e globalmente a ajuda humanitária?

A ajuda humanitária é fundamental. Tem de haver uma cooperação entre países e comunidades. As desigualdades que se verificam a nível de necessidades entre as comunidades vão existir sempre e como tal, temos de arranjar maneira de encontrar equilíbrio através da ajuda humanitária.

Depois de se envolver na Gongô mudou alguma coisa em si?

Sim, mudou! Fico feliz por estar a ajudar, mas ao mesmo tempo frustrada por saber que não vamos conseguir mudar tudo. Em 2019 quando foi a São Tomé pela primeira vez tive um impacto com a realidade de lá. A pobreza não é só não ter o que comer, é muito mais que isso. É ver que a pobreza de espírito e de conhecimento são também muito graves. Ao vivenciar isto, aumentou a minha vontade de ajudar. Apesar de a Gongô ter poucos anos de vida, também me ajudou a eliminar barreiras, porque vemos o voluntariado internacional como algo difícil de fazer, mas não é. Fazer voluntariado internacional é estar disposto a enfrentar situações adversas, como estar no meio do lixo, a percorrer 20 km em duas horas e lidar com pessoas que não conhecem a realidade em que vivemos.

O voluntariado muda-nos. Considero que o voluntariado é um ato de egoísmo, porque me deixa extremamente satisfeita, portanto se o egoísmo se nos permite ajudar alguém, que assim seja.