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João Pega
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Diária

A dor da falta de ternura…


quarta, 24 julho 2024

 

O dia ia ser repleto de compromissos pastorais e de gente para atender. Passavam poucos minutos das 8 horas, quando a campainha tocou. Levantei-me, saindo da frente do computador, onde estava a responder a alguns e-mails, e fui atender, questionando-me de quem seria, àquela hora. Abri a porta e vi logo que era alguém em sofrimento, pois o semblante do rosto expressava-o bem.

 

- Bom dia, senhor padre. Sei que é muito cedo, mas vim fazer análises e aproveitei para vir aqui. É que, desta vez, vim de táxi, pois os comboios estão em greve. Tem uns minutos para mim?

 

Respondi-lhe que sim e mandei-a entrar e sentar-se. Perguntei se já tinha tomado o pequeno-almoço. Ela, com a cabeça, acenou afirmativamente. Depois, começou a falar, entre lágrimas e paragens para respirar fundo, pois estava nervosa. Contou muitas coisas, umas mais recentes outras do seu passado, mas que pesam dolorosamente no seu viver atual.

Confesso que não estava a conseguir perceber a fundo tudo o que me ia dizendo, mas importava pouco, pois estou convicto que, nestes encontros, como padre, o importante é «escutar com o coração» (Papa Francisco). Ela continuou, durante muitos minutos, até que concluiu.

 

- É assim, senhor padre, sinto-me muito triste. Não suporto viver casada e sem qualquer ternura. É mesmo uma tristeza!

 

Com o olhar, manifestei-lhe que percebia o que me queria dizer e a dor que me revelava.

 

- Sabe, mesmo quando estão os filhos e os netos, falamos todos como se não disséssemos nada. Parecemos estranhos…! Enfim, fazemos de conta. Nada chega ao coração. Que coisa dura, senhor padre! Entende-me?

 

Respondi-lhe que sim. Ela, entretanto, aproveita para limpar o rosto e enxugar as lágrimas que lhe encharcavam as faces. Depois, tentei confortá-la, afirmando que a falta de ternura e cumplicidade com aqueles que nos rodeiam é na verdade muito dolorosa, mas é também a oportunidade para nos abrirmos ao Amor de Deus. O amor, na família, é uma chama viva que arde mas que pode, sem nos apercebermos, cobrir-se com as «cinzas» do egoísmo e da indiferença e até mesmo se apagar. Não é que as pessoas se odeiem. Elas ficam simplesmente indiferentes umas às outras. Pode ser o início da morte do amor, desaparece a ternura e a vida começa a ser marcada pela dor do vazio!

Com efeito, o amor é uma «doença» que só se cura com aquilo que chamaria de ternura. Aliás, a ternura é a seiva do amor. Mais, sem o «azeite» da ternura não se alimenta a «chama sagrada» do amor. Ela apaga-se! Mas, o que é a ternura, afinal? A ternura irrompe quando a pessoa se descentra de si mesma, vive em função do outro, sente o outro como se fosse ela, participa da sua existência, deixa-se tocar de coração pela sua história de vida. A ternura resume-se àquela máxima de que «amo-te não porque és bela; és bela porque te amo».

A ternura é a vida que damos afectuosamente às pessoas, como elas são, no concreto do seu viver. É o cuidado sem obsessão. É um afeto que, à sua maneira, abre-nos ao conhecimento do outro. Por isso, o Papa Francisco falar frequentemente da «revolução da ternura», pois é a condição para uma verdadeira fraternidade e uma pacífica convivência social, nas diferenças de cada um.

Na verdade, só conhecemos bem quando nutrimos afeto e nos sentimos ternamente cúmplices com a pessoa com quem queremos estabelecer comunhão. A relação de ternura não envolve angústia porque é livre da busca de vantagens e de dominação. O enternecimento é a força própria do coração, é o desejo profundo de partilhar caminhos. A angústia do outro é a minha angústia, o seu sucesso é o meu sucesso e a sua salvação ou perdição é a minha salvação e a minha perdição e, no fundo, não só minha, mas de todos.

 

Já agora, o amor e a vida são aparentemente frágeis, mas a sua força invencível vem da ternura com a qual os cercamos e sempre os alimentamos. Como estamos necessitados desta «revolução da ternura».