Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

Artigo de Opinião: A mediocridade


sexta, 28 junho 2024

Numa reunião, alguém constatava que, nestes tempos que vivemos, observa-se que, em todas as esferas da nossa vida social, cada vez mais, vai reinando a mediocridade, também, nos lugares de decisão. Aliás, há só mesmo uma categoria de pessoas que parece viver e estar satisfeita que é a dos medíocres. No fundo, parece respirar-se, hoje, um pouco por todo lado, uma atmosfera contaminada pela mediocridade. Fez-me pensar!

Mas afinal, o que é a mediocridade? É a inaptidão, a ausência de aspirações, o não conseguir ter para si próprio, para a sua vida e para aqueles que o rodeiam, uma visão, uma perspetiva a longo prazo, uma meta, um sonho. Na origem da mediocridade está a terrível incapacidade de aceitar a discussão de si próprio; a total ausência de autocrítica; a falta de humildade para avaliar, com o critério da verdade e do bem, o que se é e faz. Aliás, tudo coisas a que vida sempre obriga, continuamente, e que o medíocre, inconscientemente, ignora.

Hoje, tem-se a sensação de que sobressair é um perigo, e talvez também uma culpa, porque a excelência nunca é conforme ao espírito medíocre do seu tempo e ao poder dominante; é sempre inatual, profética, nostálgica, olha para além, para o passado, para o futuro, para o alto. Quem traz novidade e energia é sempre, por destino e definição, rotulado por desestabilizador. Horroriza este ambiente tão minimalista em que caímos de enfrentar toda a situação sem competência suficiente e sobretudo sem disponibilidade para o aprofundamento.

Olhando à volta, nota-se o crescimento de uma mediocridade desoladora. É uma mediocridade tumular, fruto da ausência de qualquer pensamento, reflexão, sensatez. A mediocridade é perigosa, porque desativa, desabilita e menospreza a inteligência, a capacidade de escolher e desejar. E é muito cómoda. É uma espécie de anestesia, de psicofármaco. A mediocridade reina! Soberana! É fonte de uma verdadeira tranquilidade interior, quando na realidade é inconsciência; circula como critério justo ao passo que é apenas comodidade; apresenta-se como recusa dos excessos quando na verdade é vazio interior.

A mediocridade está a infetar as nossas mentes, como afirma o filósofo canadiano Alain Deneault, no seu ensaio «A mediocracia». Deixámos de aspirar às coisas grandes, às coisas do “alto”. Arriscamo-nos a morrer sem nunca ter vivido. Uma “revolução anestesiante” instalou-se silenciosamente sob os nossos olhos, mas praticamente não nos demos conta. O medíocre, em resumo, explica Alain Deneault, tem de “jogar o jogo”. Jogar o jogo. Que significa isto? Quer dizer aceitar os comportamentos informais, pequenos compromissos que servem para alcançar objetivos de curto prazo, significa submeter-se a regras implícitas, muitas vezes, fechando os olhos.

É desta maneira que se solidificam as relações informais, que se fornece a prova de que se é “confiável”, colocar-se sempre naquela linha média que não gera riscos desestabilizadores. Na origem da mediocridade está a concentração sobre a “governance”, em que tudo é reduzido à gestão. Seria preciso perguntar-se, como o protagonista Nikolaj Stavrogin do romance «Os demónios», de Dostoiévski: “Pois bem, qual é o meu verdadeiro rosto? A áurea mediocridade: nem tolo nem inteligente”. Na era de mediocracia já não se discute. Prefere-se receber notícias que confortem.

É preciso temer a mediocracia porque faz sofrer e é antecâmara do autoritarismo, mesmo que adocicado. O autoritarismo é psicótico, a mediocracia é perversa. Psicótico, o primeiro, porque não tem qualquer dúvida sobre o que deve decidir. Perversa, a segunda, porque procura dissolver a autoridade nas pessoas fazendo de maneira que a interiorizem e se comportem como se fosse vontade sua. Depois, é próprio dos sistemas de poder decadentes originar formas despóticas de governo e reforçar a mediocridade, na escolha do capital humano, porque o poder consolidado teme o confronto com a inteligência, teme ser batido no terreno das ideias.

A pessoa medíocre é incapaz de elevar-se do banal que o distingue, incapaz de ideais, sem valores. É tépida – mediocridade e tepidez são duas formas de corrupção espiritual, segundo o Papa Francisco –, não gosta daquilo que é forte, que sacode, está por baixo. Mas a mediocridade é um perigo à espreita à nossa volta, condiciona-nos com todo o convencional em que estamos mergulhados, um mundo imenso de mediocridade banal que não serve para crescer, mas que pode aparecer cómodo, visto que tantos agem assim. E esta é a escravidão da massa, a cadeia do social.

Uma incapacidade de pensamento autónomo, uma obediência cega, uma normalidade que age incondicionalmente, perigo extremo da ausência de reflexão. Albert Einstein escreve: “Os grandes espíritos encontraram sempre a violenta oposição dos medíocres, os quais não sabem compreender o homem que não aceita os preconceitos herdados, mas usa a sua inteligência com honestidade e coragem”. E Pierre de Beaumarchais: “O homem medíocre e rasteiro chega a tudo”.

Já agora, medíocre pode ser também uma comunidade que não quer sair do torpor das memórias para se contentar com um passado que na verdade nunca foi tão glorioso como é narrado; medíocre pode ser uma Igreja que não busca os caminhos mais adequados para narrar ao ser humano a alegria, o resgate, a justiça que a deriva de um Amor a partilhar, mas se esconde por trás de «tradições», em vez de se reinventar, para fazer bem e o bem; medíocre pode ser uma cultura que vende produtos que agradam às massas, em vez de se elevar sobre os desejos insipidamente populares, normalmente ruidosos, sem a coragem de saber arriscar a impopularidade, conservando a sua autonomia e a vocação de ser espírito crítico.