Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

“Finjo-me de burro para não ser incomodado pelos que fingem ser inteligentes”


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 04 setembro 2020

O direito à opinião é algo fundamental na convivência humana, quer na esfera pessoal quer na social. Jamais aceitar uma verdade imposta pelo mais forte. A liberdade de opinião é sempre ameaçada em laços e posturas totalitárias, sejam elas de quem forem, quando não se quer saber de nada que esteja em desacordo com o discurso oficial, ou até com a visão pessoal. Uma opinião é sempre algo subjetivo, de cada pessoa, pois com ela, alguém toma posição em relação a algo, a partir da sua experiência e mundividência. Isso é bem!

Contudo, tenho a impressão de que, como sociedade, andamos a perverter o nosso direito de opinião. O “eu acho que” está a ocupar lugares onde não tem cabimento, e até mesmo onde não faz nenhum sentido afirmá-lo. É cada vez mais frequente, sobretudo nas redes sociais e em outros meios, alguns fazerem desconsiderações à opinião dos outros, por vezes mais capazes e qualificados que eles sobre determinada questão, elevando-se assim em soberanos da razão e da verdade, com tiques e modos agressivos e totalitários, como se a sua opinião, só por ser sua, se sobrepusesse, em valor, às evidências e aos consensos. É mesmo algo pouco inteligente!

Mas como se chega até aqui? Uma das razões é o narcisismo, isto é, um amor patológico e desequilibrado de alguém a si próprio, acompanhado das ‘palas’ que não lhe permitem uma sã abertura aos outros, no que são, pensam, dizem e fazem! Outra razão é o individualismo, isto é, alguém julgar-se que é o único inteligente e capacitado para algo, por isso só ele o pode dizer ou fazer sozinho. Este individualismo, reinante em muitos, vai gerando o egoísmo, “tudo tem de ser para mim”, e o egocentrismo, “tudo tem de ser à minha maneira”!

Entretanto, a perversão do direito de opinião e da liberdade de expressão também está a trazer uma maldita ilusão, ou melhor, uma miopia. Não enxergamos bem o nosso tamanho e, muito menos, temos noção da grandeza que nos envolve, seja em que campo for. Sim! Alguns pensam mesmo que o “mundo termina à porta de suas casas” e que só tem valor “o dizer que sai das suas bocas”! O que vale é que facilmente se percebe de que a “realidade é superior à ideia” e quem não o admite termina por ficar avinagrado com a vida, com os outros e consigo próprio!

Na Grécia antiga, o debate e o diálogo de ideias e opiniões era uma forma básica de exercer a cidadania. Por isso, a certa altura, falavam da “aletheia”, isto é, a verdade inegável, não no sentido de dogma, mas de algo que se vai revelando quando, através da inteligência e do coração, o ser humano se torna seu buscador. Nunca como hoje, mais do que debitar opiniões, temos de ser buscadores da “verdade”. Mas aquela “verdade” que é muito maior que as frágeis certezas que a experiência e o pensar de e na vida nos podem atestar, que não se deixa entrincheirar nem fica refém só do que vemos, pensamos, sentimos e sabemos de alguma coisa, ou de alguém.

Por fim, numa época imediatista, onde o tempo sempre nos está a escapar, corremos o risco de sermos fantasiados com opiniões, livremente expressas – e isso é bom –, que não são mais do que instrumentos subtis de manipulação ideológica, ao serviço de interesses pessoais ou de grupos. Só o tempo possibilita uma reflexão serena, um confronto autêntico e uma avaliação justa de tudo o que se ouve e diz. Quando a correria exterior traz desassossego interior, deixamos de ser nós a pensar e a sentir, para passarmos a ser reféns das opiniões da moda e a reagirmos desproporcionada e injustamente aos outros e aos acontecimentos.

Já agora, sobre tudo isto, li por estes dias, nalgum lado, uma frase que dizia mais ou menos assim: “Finjo-me de burro para não ser incomodado pelos que fingem ser inteligentes”! Interessante, não?!